Quando
você partiu, eu fiquei.
Por
entre seus cabelos enrolados na escova sobre a cômoda.
No
suor de sua testa, que se desfez no ralo da pia depois das atividades de terça.
No
desenho borrado da sua boca feito de batom no guardanapo esquecido na mesa.
No
cigarro de marca ruim que você fumou pela falta de outro, mas não tragou.
Eu
fiquei na fotocópia de uma folha só, que você dobrou e perdeu entre seus livros
de Garcia Márquez.
Fiquei
dentro do gole de vinho que avinagrou na geladeira entre garrafas de rum que
você nunca abrirá.
Eu
fiquei nos dias passados, nas coisas que você precisou, usou por metade e
esqueceu por descuido.
Quando
você partiu, eu fiquei.
Na
coleira surrada da sua terceira cadela que fugiu quando achou o portão aberto.
Entre
versos inacabados que você começara quando na aula tediosa do professor
chato.
No
bilhete úmido e rasgado dentro do bolso da calça velha que você botou pra
tingir.
No
resto do perfume de frasco barato, que já dá trabalho pra usar por estar no
fim.
Quando
você partiu, eu fiquei nas coisas fora da mala.
No
secador, na bota fora de estação, no vestido longo de formatura.
Fiquei
nas coisas antigas ou pesadas, mas que lhe farão falta numa tarde qualquer de
domingo.
Quando
você partiu, eu fiquei nas coisas que já conhecia e você não queria.
Você
mudava demais e eu tinha preguiça de sair de casa.