Sou carro no tempo
Muita velocidade e
torque ao relento
Motor exposto aos
desenganos das intemperanças
Depois da tempestade,
aqui, nenhuma bonança
Sou lata retorcida e
borrachas ressecadas
Válvulas demais sem
uso
Histórias e estradas
que se punham no rumo são passadas
Restaram-me as marcas
Os amassados das
topadas com outros tantos feitos eu
Fendas na lataria que
se fizeram de memoráveis aventuras
Hoje são entradas da
hora que me oxida e enferruja
Sou carro no tempo
Que não passeia, não
trabalha. Entulha
Descansa sem honra
sob o sol, o descaso e a chuva
O óleo que me sobrara
nas veias juntou-se em graxa
E hoje suja e
aborrece quem me visita por nostalgia
Ou em busca de uma
peça que lhe repare algo mais novo e a própria vida
Sou carro no tempo
Estou todo aqui, mas
não me veem
Deve ser por minha tinta enrugada sobre o capô
se misturando aos rejeitos de pássaros ultrajantes, que sequer reconhecem a
potência sepultada de onde cagam.