domingo, 7 de agosto de 2016

Felizmente fodidos



O lugar que nasceu, os pais que tem, o bairro que cresceu, sua cor, seu sexo, a sua escola primária.. Tudo isso parece predestinar o que você deve fazer, inclusive para ser feliz. As coisas já estão acertadas antes de saber que há uma tal liberdade solta por aí. Seu emprego já está lá lhe esperando, enquanto você ainda aprende a fazer fila pra jurar a bandeira no maternal. Sua futura esposa já bordou suas iniciais na tolha de banho, enquanto você ainda acha que vai ser um rockstar aos 20 anos.
Você nasceu para ser isso, no máximo - e se der muito sorte - aquilo. Esperar além é querer demais, é sonhar demais. Siga o plano pronto para a sua felicidade e se contente, pois há aqueles que nem o tem.
Assim a vida vai chutando a gente nas costelas, nos colocando onde ela decidiu ser o nosso lugar. São cutucadas daqui e dali, opções limitadas, julgamentos preconcebidos, dedos em riste, apontando para o dito caminho certo, que lhe farão ser o que deve ser, o que você veio para ser, não o que é. Nunca o que é!  
Não há saída, sonhador! Se você não aguenta umas boas porradas, vai acabar sendo tangido a calçar sapatos que não lhe cabem e vestir calças que lhe sobram. A vida é quadrada e não há uma do seu tamanho, nem como ajustá-la. Se você aguenta pancadas, no entanto, sofrerá o desatino das escolhas próprias e, ainda, é possível que morra no processo.
Nasça, cresça, fique bobo, forme-se, case-se, deprima-se e aposente-se. Será como um suicídio assistido: você vai viver e morrer como esperam que o faça. Se você é pobre, seja pobre. Se você é rico, seja rico. Se você é bonito, feio, preto, branco, homem, mulher, redondo ou com bolinhas amarelas... Seja! Porque você já é isso. Assim que a vida lhe quer. Não invente de ser outra coisa!
“Não vá por aí. Não é seguro!”; “Não tente ser artista, meu jovem!”; “Faça como seu pai!”;“Você não devia..”; “Isso não dá dinheiro, cara!”; “Isso não é pra você!”...
O mundo manda abandonar a ideia de ser você mesmo e de ser feliz ao seu modo. E você abandona. Mais cedo ou mais tarde, você abandona.
Esquecemos, aos poucos, que nascemos nus, carecas e sem dentes e passamos a ter medo de perder tudo. Tudo o que a vida disse que a gente devia ter, mas sequer sabemos se precisamos.
A grande ironia é que, ainda tendo e sendo tudo o que a vida nos pediu, ainda estamos fadados ao fracasso. Prometem-nos felicidade no fim do caminho, mas parece que todos perecem antes de encontrá-la.
E aí, onde mora essa coisa?!
A gente faz tudo certinho, conforme o planejado. Mijamos muito pouco fora do penico. Antes dos 30 já estamos adestrados. E ainda assim a recompensa não vem. Os poucos que vemos sorrindo provavelmente estão fazendo algo errado ou fora do combinado. São desertores, transviados ou transgressores. Loucos, no geral.
Ser responsável pela sua própria felicidade requer liberdade, o que requer quebrar as regras, o que quer dizer ser um grande babaca aos olhos do resto. Quem ousa fazer isso leva boas bordoadas da vida e de quem se conformou a seguir um caminho que não é seu.
Somos gado no corredor de um curral. Pular a cerca é viver as dores, mas também prazeres da própria sorte. Seguir ali, por outro lado, é cair no matadouro automatizado da felicidade por adesão. Não há saída, sonhador!
A grande verdade é que sempre acabaremos fodidos. Nossa única escolha é gozar, ou não, enquanto isso.