quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Deixa eu contar sobre a chuva.


Eu vi o cheiro de chuva calma chegar, enquanto ouvi todas as suas inúmeras cores altas curvarem-se para passar pela porta do meu caos particular.
Senti da boca que você trouxe aquela hora a leveza que é sonhar fora dos dias úteis.
A anarquia doutrinadamente ensandecida da sociedade pequena de repente não chegava até nós.

As calhas se enchiam vagarosamente de água e os passarinhos se guardavam sabe-se lá onde ficam quando começa a chover.
O dia se fez estranhamente bonito e melancólico, sendo os pingos agudos da bica os únicos inconvenientes a cortar o silêncio morno que construíamos desde sua chegada.
Era dia de semana de algum feriado santo, ou qualquer outro escapismo do cotidiano homicida que o indivíduo médio precisa pra enlouquecer um pouco mais tarde.
Ninguém saíra de casa. Sobrava o mundo todo lá fora pra nós que, petulantes, não o queríamos aquele instante.
Eram peitos, barrigas, joelhos valsantes e línguas demais para nos dedicarmos a outra coisa que não nós mesmos.
Caía um copo cheio no carpete, que agora encharcado, ficava frio e trazia algo lá de fora pra cá, pro nosso canto imaculado. A única frieza ali era o carpete. A única tristeza ali era o carpete.

Nos almoçamos sem fazermos as orações que aprendemos nas refeições de família cristã, como quem tem pressa de saciar a fome de dias.
Ela me toma como vinho caro. Sinto-me, então, mais requintado que sou.
Eu, por minha vez, como com as mãos os seus suculentos nacos de carne. Da classe que não tenho, ela não precisa.
Era tudo gratuito e permitido.
Nos saciamos. Nos bendizemos.

Agora era a tarde que vinha chegando, rareando a chuva, ligando o canto dos pássaros outra vez, fazendo correr as horas que conseguimos parar um momento, e vertendo o calor do nosso quarto para um tanto além dele.

Mas nenhum de nós lamentava. Abrir aquela redoma de encanto era mesmo preciso, para que assim a reconstruíssemos de jeitos inéditos. Além do mais, outra chuva sempre vem e nós já sabemos para onde o sol vai nessa hora: pro único lugar quente, que só nós sabemos fazer.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Eu lhe convido a fazer de alguns amanhãs um hoje também.


Eu lhe convido à tarde quente que esse céu azul real trouxe pra gente
Deitar-me em sua calma macia e amparar minha inquietude silente
Deixar-me, nas conversas vazias, provocar todo seu ego discretamente
Eu lhe convido a olhar a imensidão reservada pra nós sob o firmamento
Reparar a inutilidade da urgência e da pressa espalhada nos dias
Perceber a grandeza que o amor verdadeiro toma todo detalhe disperso

Eu lhe convido a me dar alguns dos espaços no seu relógio parado
Sairmos os dois das linhas traçadas pelo destino cansado
Bailarmos então nossa valsa feita de damurida e carimbó
Eu lhe convido a aproveitar o momento de cada instante e não mais
Só agora guardar um único infinito horizonte mutável
Arregaçar as mangas do tempo e fazê-lo trabalhar pra gente

Eu lhe convido a tirar de mim qualquer pedaço que lhe apeteça
Consumir meus sentimentos todos dentro de suas validades vincendas
Arrancar-me da zona de conforto que, em verdade, sufoca o presente
Eu lhe convido a aproveitarmos a nós, a sós, só hoje
E quem sabe assim você descubra que lhe convém
Fazer de alguns amanhãs um hoje também