- O que é paixão? - ela me
perguntou.
A pergunta dela quebrando o
silêncio me fez perceber que eu já estava ali parado, a olhar aqueles olhos
pequenos que me cercavam de calma, por muito tempo. Balbuciei na pressa de
dizer algo, mas calei. Não queria quebrar o momento com uma frase apressada e
sem sentido. Eu já fazia isso demais e quase nunca a gente tem outra chance de
responder a mesma pergunta. Eu também não me senti verdadeiramente obrigado a respondê-la
com palavras, porque achei que meu olhar encantado pelo dela e o toque dos meus
dedos nos seus cabelos pudessem expressar melhor, seja lá o que eu podia
afirmar naquele instante.
Quando se trata de sentimentos,
eu sempre preciso de muito tempo para definí-los por vários motivos. Primeiro
porque nunca são iguais a outros que eu já senti. Lógico que eu já havia me
apaixonado antes, mas por outras mulheres, em outras idades, enquanto tinha
outras contas a pagar. Com ela não haveria de ser igual. Não seria justo que eu
usasse a definição que eu já conhecia. Porque nem que só o compasso do coração mudasse,
não haveria de ser a paixão por ela a mesma que eu já vivi antes. Também ela, caso
se apaixone por mim, se fizer como já fez por outros, não vai me agradar. Que
ela tratasse de me arrumar uma loucura nova, um apelido carinhoso inédito, uma comida
favorita com outros temperos ou uma posição diferente na cama! Pois das poucas
certezas que tenho, uma delas é que eu não quero paixão de segunda mão.
Outra razão pra eu tardar em
tentar definir um sentimento é que ele sempre pode se confundir com a luz e a música
que toca na hora de dizer e ficar mais melancólico que realmente é, ou me
induzir a usar um vocabulário que condiz com o contexto, mas não com o que eu
sinto. Ainda, pode se misturar com outras vontades e necessidades. Impossível
imaginar, por exemplo, que alguém pode amar verdadeiramente se está roncando de
fome ou com qualquer outra necessidade fisiológica em atraso. Talvez algum
mártir por aí possa, tudo bem, mas não faz o meu estilo.
- Vai me enrolar até quando? Há
três dias que você prometeu me dizer – trucou-me ela, daquele jeito docemente
abusado de quem sabe sempre o quê e quando quer. E o "o quê" até costumava
variar, mas o "quando" era sempre agora.
E eu ainda não disse nada. Beijei
aquela testa franzida e questionadora e deixei meu olhar cair no dela. Ela
silenciou como quem se recusava a começar um novo assunto até pôr fim naquele. E isso sequer me perturbava.
Paixão, ali naquele segundo, não
precisava ser maior que os olhos pequenos dela. Que olhos lindos!
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